22 de novembro de 2017
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PERFIL: Ratko Mladic, o "soldado-camponês" dos sérvios bósnios condenado por genocídio

O general sérvio bósnio Ratko Mladic, hoje condenado a prisão perpétua, sempre se afirmou como defensor do povo sérvio desta ex-república jugoslava, mas o seu nome permanecerá para sempre associado aos crimes de guerra na Bósnia-Herzegovina.

Lusa

Após 16 anos em fuga e seis anos nas celas do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ, instância judicial 'ad hoc' da ONU criada em 1993), o ex-comandante militar da Republika Srpska (República Sérvia, RS) da Bósnia (1992-1995), tornou-se um velho homem doente.

Contudo, o seu processo não abalou a convicção que exprimiu logo na sua primeira comparência perante o TPIJ em Haia: "Sou o general Mladic. Defendi o meu país e o meu povo".

Este homem, descrito por quem o conheceu de perto como colérico e brutal, mas também jovial e empático, assinalou numa ocasião que "as fronteiras sempre foram traçadas com sangue e os Estados delimitados por sepulturas".

Para os juízes do TPIJ, que hoje o condenaram a prisão perpétua -- e desde sempre considerado por Belgrado e pelos sérvios bósnios como uma instância "parcial e anti-sérvia" --, Mladic é considerado o terceiro arquiteto da limpeza étnica durante um conflito intercomunitário que provocou cerca de 100.000 mortos e 2,2 milhões de deslocados.

Na sequência da desagregação da Jugoslávia federal em 1991, com as autoproclamadas independências da Croácia e Eslovénia (seguiu-se a Macedónia e depois a Bósnia em 1992), o ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic, que morreu em 2006, aos 64 anos, numa cela no TPIJ, defendia a permanência no mesmo território das populações sérvias, com importantes minorias na Bósnia e Croácia, enquanto negociava com as potências internacionais.

E na sua "capital" de Pale, arredores de Sarajevo, o psiquiatra Radovan Karadzic, ex-líder político dos sérvios bósnios -- que em fevereiro tinham boicotado o referendo independentista organizado por muçulmanos e croatas bósnios --, hoje com 72 anos e condenado em 2016 a 40 anos de prisão, difundia a sua propaganda nacionalista.

Mladic, 74 anos, compunha este trio de nacionalistas sérvios e era o único que tinha nascido na Bósnia, em Bozanovici, uma aldeia de camponeses pobres do sul.

Ficou sem pai muito cedo, um 'partisan' comunista morto pelos croatas 'ustashas' pró-nazis durante a II Guerra Mundial, e mais tarde Mladic decidiu integrar-se no exército jugoslavo.

Quando se iniciou a guerra civil bósnia, na primavera de 1992, foi transferido para Sarajevo, após ter combatido na Croácia contra as forças nacionalistas de Franjo Tudjman, e submete a capital bósnia a um cerco que se prolongará por quatro anos, apesar de a cidade ter tido sempre contacto com o "exterior" através do famoso Túnel.

Calcula-se que cerca de 10.000 habitantes foram sobretudo mortos pelas balas de atiradores furtivos ou pelos obuses lançados das montanhas circundantes controladas pelas forças de Mladic.

No entanto, Mladic permanece popular em muitos segmentos da população, e os seus apoiantes continuam a transmitir a imagem de um "soldado-camponês" que amava a sua terra, respeitador dos códigos de guerra e que apenas pugnava por uma Jugoslávia unida e a proteção do seu povo contra os "Turcos", como apelidavam os muçulmanos bósnios (bosníacos).

Uma descrição contrariada em Haia pelo procurador Alain Tieger, que pediu prisão perpétua: "A sua preocupação não era que os muçulmanos pudessem criar um Estado, era antes fazê-los desaparecer totalmente".

Em 1994, a sua filha Ana suicidou-se. Segundo opiniões então divulgadas, esta estudante de Medicina não suportou o peso dos crimes imputados a seu pai, e sempre rejeitados pela família.

Um ano depois, ocorreu o massacre de Srebrenica, com a morte de cerca de 7.000 jovens e homens muçulmanos em idade de combater que tentavam escapar do enclave conquistado, e que a justiça do TIPJ definiu como um ato de genocídio.

Após o acordo de paz de Dayton (novembro de 1995) que silenciou as armas, Mladic permaneceu na Bósnia-Herzegovina, com longos períodos no refúgio de Han Pijesak, uma base meio subterrânea numa floresta de pinheiros do leste do país.

De seguida, instalou-se em Belgrado, protegido pelo exército. Alvo de um mandado de captura internacional, tenta ensaiar uma vida normal, cuida das suas roseiras, vai à padaria, janta em restaurantes, assiste a jogos de futebol.

Em 2000, quando Milosevic é afastado do poder, entra na clandestinidade. Diversas prisões enfraquecem o seu círculo de protetores e Mladic torna-se um problema para a Sérvia, que anunciava as suas ambições de adesão à União Europeia.

Em maio de 2011 é acolhido por um primo na povoação de Lazarevo (norte), onde é detido por forças de segurança sérvias e extraditado para Haia. Em 2011 é aberto o seu processo por 11 atas de acusação de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

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